O que eu sou? Acho que não sei quem sou, só sei do que não gosto.
E você quer mesmo saber o que se passa na mente de uma pessoa tão vazia assim? Bem, o que eu sou não lhe diz respeito, em parte nenhuma lhe toca. Nasci para poucos e morro por quase ninguém. Contradigo-me em passos de dança invisíveis, enlaçando pernas e prendendo bocas, querendo muito e gostando tão pouco. Não é insatisfação ou sofrimento, é só um pouco de tudo ao mesmo tempo agora que não respeita amor de menos, não aceita um gostar pouquinho e querer às vezes. Uma intensidade que não se conforma com noites únicas de começo, meio e fim. Se estou aqui é pela música, pela companhia, pra me perder. Jamais pra desperdiçar uma noite com quem não sabe conversar. E não ouse me perguntar o que eu faço da vida, isso é triste, é tão comum. Queira saber o que me faz feliz, meu ponto fraco pra cócegas. Não pergunte o que me dá dinheiro, porque este é o menor dos meus sucessos. Nunca trabalhei. E trate de se esquecendo do meu nome verdadeiro, se eu venho sempre aqui, se estou gostando da música. Agir sem naturalidade é o seu maior fracasso. Se é mesmo importante que eu responda as perguntas que tanto desprezo, se definir o que sou vai te fazer mais feliz? Se quer mesmo saber de mim, comece pelas entrelinhas dos meus textos e se perca neles. Existe um pouco de mim em cada um deles. Ou então, comece pelo não dito. Pelo movimento dos cílios e as pupilas dilatadas, os olhos nervosos que não se fixam, o modo de apoiar o peso do corpo em uma das pernas e me preocupar apenas com meu cabelo comprido, e esvoaçante pelo vento forte. Olhe para as mãos que não sabem repousar e a voz que desafina sem querer. Por favor, sou tão ridiculamente fácil de decifrar e ainda insistem em seguir pelo caminho errado. Exponho-me tanto e ainda querem uma cartilha. Tsc tsc.
E o pior é que fazem isso porque me amam de relance, apaixonam-se por palavras, mas o que querem no momento e só por desafio. Porque têm preguiça ou medo de cumplicidade e acreditam perder a noite se optarem por se apaixonar pelo próprio ego. Porque perdem oportunidades de se calarem quando é papel dos olhos falarem. E é por isso que eu estou sozinha nesse mundo de luzes e pessoas, está tão frio aqui. É por isso que eu saio de casa e minha roupa não precisa agradar ninguém, além de mim. Porque não deixo o calor da minha rotina pra ser presa em vitrines. O que eu sou não lhe diz respeito, em parte nenhuma lhe toca. Mas se quiser mesmo saber de mim, experimente não me perguntar nada. E talvez assim, quem sabe por um segundo desperte minha vontade de contar.